“Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”



“Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”
Chico Buarque de Holanda


Virgínia Woolf quando escreveu Jacob’s Room sabia que estava cruzando uma ponte em que deixava para trás seus dois romances anteriores e levava sua obra para um outro caminho. Sem entrar dentro da mente do personagem principal, sem explicar cada passo seu, sem descrevê-lo minuciosamente, sem nem mesmo navegar numa linha do tempo o romance se desenrola sem enredo, sem heróis e sem vilões.
O personagem central Jacob Flanders aparece quase como um coadjuvante que depende da visão e comentários feitos por outros personagens, pelas poucas frases que  diz e pelos muito momentos em que prefere silenciar. Quem é Jacob Flanders? Ao longo do livro conhecemos o Jacob  filho, o amigo , o irmão, o amante, o estudante, o viajante. Uma lista sem fim de personagens entram e saem da história e graças ao estilo conciso da autora conseguem ganhar vida e poucas linhas. Alguns duram vários capítulos, outros são permanentes, como Eliza Flanders a mãe de Jacob, muitos duram apenas um parágrafo. A narrativa é baseada em cenas, lembranças, situações que vêm e voltam e vão desvendando o universo de Jacob, como ele é amado, questionado e entendido. O conhecemos pela sua mãe Eliza que comenta suas cartas com a amiga e reclama que na verdade não sabe muito sobre seu filho. Mas o que sabemos dos outros? Em nossa vida temos acesso apenas ao que vemos, às nossas interpretações e julgamentos, e é disso que falamos quando dizemos que conhecemos alguém. Virgínia nos lembra que impressões são tudo que deixamos. Quando uma personagem fortuita num trem analisa Jacob aprendemos um pouco sobre ele e muito sobre ela e nos damos conta que dizemos mais de nós mesmos quando falamos do outros. A mesinha do quarto em que Jacob deixas suas cartas inacabadas é um objeto recorrente na narrativa lá repousam também as cartas recebidas e não lidas. Uma carta de Eliza sobre a mesinha num momento vira personagem testemunhando o ato sexual do filho e se sentindo chocada. Por vezes sentimos o livro como um barco à deriva, e  as metáforas com barcos, e mar são abundantes. Quando Jacob viaja pela Europa a narrativa muda um pouco se conectando mais à terra, à paisagem ao olhar de Jacob sobre tudo isso. O narrador do livro são todos os personagens, mas também objetos e o autor onisciente que escolhe ou não acompanhar um fato enquanto conjectura sobre o que está ocorrendo. Virgínia Woolf trabalha as palavras com precisão, e cada frase parece que foi pensada com o cuidado de enxadrista.
Lya Luft merece aplauso não só por ter conseguido fazer uma excelente tradução, mas por tido a coragem e a determinação de fazê-la. A tradução tem que lidar com um texto cheio de palavras incomuns, frases longuíssimas sem ponto e de construções inusitadas, que escondem citações à outras obras, referências a costumes da época e toda sorte de sofisticação narrativa. Esperemos que a Editora Novo Século saia com uma nova edição revista, pois a atual contém muitos erros de revisão.

     Estar nos sapatos de alguém é em inglês se colocar no lugar daquela pessoa, mas será que é possível mesmo se colocar no lugar de outra pessoa? Pois será que conhecemos a alguém a esse ponto?  Esse é um dos temas recorrentes do livro que termina com  a mãe e seu amigo Richard Bonamy entrando no quarto de Jacob depois que ele morreu na guerra sendo  as últimas frases do livro de Eliza Flanders “What am I to do with these, Mr. Bonamy?” She held out a pair of Jacob’s old shoes.

Um comentário:

Cia Faz e Conta disse...

Não li este livro, mas conheço a Virginia dos contos... Sempre densos e repletos de reflexões nada óbvias. Deu vontade de ler.